domingo, 30 de maio de 2010

POLÍCIAS QUEREM SER INFORMADAS DAS SAÍDAS DOS PRESOS DAS CADEIAS

Prevenção criminal. Muitos presos que cometeram crimes violentos são libertados, quer pelo fim da prisão preventiva quer por beneficiarem de saídas precárias ou de liberdade condicional, e voltam a cometer crimes. As polícias querem evitar novas vítimas e querem ser informadas sobre essas saídas. O secretário-geral de Segurança Interna tem uma proposta concluída

POLÍCIAS QUEREM SER INFORMADAS DAS SAÍDAS DOS PRESOS DAS CADEIAS

O secretário-geral de Segurança Interna vai enviar para apreciação da Comissão Nacional de Protecção de Dados (CNPD) uma proposta de protocolo para que os Serviços Prisionais passem a informar as forças de segurança sempre que um detido deixa o estabelecimento prisional em saída precária, em liberdade condicional ou termina a prisão preventiva.
De acordo com fonte oficial do gabinete de Mário Mendes, o documento deverá chegar à CNPD “ainda este mês” e “expressa um desejo de há muito tempo dos responsáveis das forças de segurança”. Segundo a mesma fonte, a “restituição à liberdade”" de indivíduos detidos por crimes violentos é “a grande preocupação”` partilhada pelas polícias e pelo secretário-geral Mário Mendes.
O principal objectivo desta medida é prevenir que estes “libertados” venham a cometer outros crimes, o que tem acontecido repetidas vezes sem que haja qualquer controlo por parte das autoridades.
O DN solicitou à PJ, GNR e PSP dados sobre estes casos e nenhuma soube responder. “Teríamos de analisar processo a processo”, disse fonte oficial da PJ.
“Sabemos por experiência que são muitos os casos, mas não os temos contabilizados”, afiança fonte autorizada da investigação criminal da PSP.
No entanto, a Judiciária, por vezes, inclui nos seus comunicados, a anunciar detenções, informação sobre a situação penal do detido. Embora o número peque por defeito, porque nem sempre a informação é incluída, uma pesquisa no site da PJ mostra que, só este ano, houve dez crimes violentos cometidos por pessoas em liberdade condicional ou saída precária. Nos últimos três anos estão registados nestes comunicados cerca de três dezenas (ver casos em baixo).
A proposta que Mário Mendes vai submeter à CNPD foi definida por um grupo de trabalho, que inclui representantes ao mais alto nível da PJ, da PSP, da GNR e da Direcção-Geral dos Serviços Prisionais. 0 documento está a ser negociado há, pelo menos, sete meses. Mário Mendes entende que esta troca de informação, implica a transferência de dados pessoais que podem por em causa direitos, liberdades e garantias e por isso quer um parecer da CNPD.
O perfil do detido, de cuja saída os Serviços Prisionais devem informar a PJ, ou a GNR ou a PSP ainda não está totalmente definido. No entanto, estarão sempre na lista reclusos detidos por crimes mais violentos, como assaltos à mão armada, tráfico de droga, violações, agressões e homicídios. 0 juiz desembargador Caetano Duarte, presidente da Comissão de Protecção às Vítimas de Crimes aplaude a iniciativa, “É evidente que do ponto de vista da vítima é muito favorável e pode evitar a possibilidade de uma reincidência, vingança ou mesmo de uma pressão para que retire a queixa.”
Caetano Duarte lembra que a lei em vigor “apenas permite que a vítima seja informada quando o recluso cumpre a totalidade da pena” e não sobre as outras saídas.
Segundo as estatísticas da Direcção-Geral dos Serviços Prisionais, no ano passado houve 1298 reclusos que saíram dos estabelecimentos - prisionais por termo da prisão preventiva. A maior parte porque foram condenados a penas suspensas, mas também aqueles em que a prisão preventiva foi substituída por outra medida de coacção
(obrigação de permanência na residência com pulseira electrónica). Dois mil detidos usufruíram de liberdade condicional em 2008.

0 que as autoridades não sabem

Perguntámos à PJ, PSP, GNR e Ministério Público quantos presos preventivos detidos este ano por crimes violentos foram entretanto libertados. Ninguém respondeu com rigor. A mesma ausência de informação existe no que diz respeito à quantidade de detidos, que cometem crimes em saídas precárias, ou quando beneficiam de liberdade condicional. Saber a taxa actual de reincidência criminal foi impossível. Nuno Magalhães, do
CDS-PP, considera “inadmissível que o Estado desconheça esta realidade”. E acrescenta: “Saber quem, onde e como pratica um crime é elementar para um eficaz combate à criminalidade.”

Casos de crimes cometidos por presos

0 DN fez um levantamento dos comunicados da PJ em que os crimes foram cometidos por indivíduos em Liberdade condicional ou saídas precárias. Alguns foram casos violentos

Roubo violento
A 30 de Setembro último, o departamento de investigação criminal da PJ de Ponta Delgada deteve um homem de 25 anos que, estando em saída precária, tentou roubar uma idosa, de 81 anos, no interior da sua residência. Segundo descreve a PJ, o homem, natural desta ilha açoriana, entrou na casa da idosa, que se encontrava no seu quarto. Quando se apercebeu que não tinha produtos para o roubo, usou de Invulgar” violência contra ela, a ponto de lhe ter provocado graves lesões que a obrigaram a sersubmetida a uma intervenção cirúrgica.

Assalto a CTT
A Unidade Nacional de Contra-Terrorismo da PJ desencadeou uma operação a 24 de Agosto deste ano para deter um indivíduo, que se dedicava a assaltos à mão armada contra agências dos CTT. 0 homem, muito perigoso, estava em liberdade condicional e tinha um longo historial de criminalidade especialmente violenta. Tinha já sido condenado em 1991 a uma pena de seis anos por outro assalto com arma de fogo e em 2001, a 13 anos por roubo, furto qualificado e falsificação de documentos, Depois de sair em condicional assaltou diversos estabelecimentos.

Tráfico de droga
A Polícia Judiciária do Norte identificou e deteve, na zona do Grande Porto, três pessoas suspeitas da prática de crimes de tráfico de drogas. Dois desses detidos encontravam-se em liberdade condicional, depois de terem cumprido pena de prisão pelo mesmo tipo de crime. 0 terceiro homem, já anteriormente condenado por tráfico de estupefacientes, encontrava-se, no momento da captura, em gozo de saída precária há duas horas. Foi apreendida cocaína para 1020 doses individuais.

‘Carjacking’
No final do ano passado, a 28 de Dezembro, a Directoria do Porto da PJ noticiou a detenção de dois presumíveis autores de um roubo de um veículo ocorrido em Matosinhos. Este roubo tinha acontecido depois de outros dois idênticos, no dia anterior, um na forma tentada, outro com sequestro da vítima. Ameaçaram as vítimas dizendo que tinham armas de fogo e levaram os veículos, bem como todos os bens que estas transportavam consigo. Um dos detidos tinha 29 anos e outro 43, encontrando-se um deles em gozo de saída precária da prisão.

População prisional baixou com as reformas das leis penais

Reforma dos códigos penal e processual penal, que alterou alguns pressupostos da prisão preventiva e efectiva, abriu a porta da cadeia a muitos reclusos

Várias alterações ao Código Penal e ao Código de Processo Penal abriram as portas das prisões a centenas de reclusos ao longo do ano passado. Durante o mesmo período, o Relatório de Segurança Interna (RSI), por seu lado, registou um aumento da criminalidade, sobretudo a mais grave.
Foram centenas de reclusos que beneficiaram das alterações das leis penais. Entre estas conta-se a possibilidade de a liberdade condicional ser requerida a meio da pena; outra foi o encurtamento dos prazos da prisão preventiva; esta medida de coacção deixou também de ser aplicada a alguns crimes e, por isso, foram postos em liberdade os que tinham sido presos pelos ilícitos excluídos; além de que só os crimes com pena de prisão superior a cinco anos passaram a estar sujeitos àquela máxima medida de coacção; por outro lado, passou também a haver a possibilidade de as penas de prisão até cinco anos serem suspensas na sua execução mediante outras medidas alternativas, sendo que, antes, estavam abrangidas apenas as condenações até três anos de prisão.
Perante estes novos pressupostos, “choveram”os pedidos de revisão das penas. Aliás, nos novos códigos penais que entraram em vigor a 15 de Setembro de 2007 foi logo esclarecido que, comparando (11587). Ou seja, à medida que o crime aumentava, o número de presos baixava.
O fenómeno, entretanto, começou a sofrer as consequências do aumento da criminalidade. Neste momento encontram-se nas prisões 11082 indivíduos, entre reclusos e preventivos, mais 72 do que em Dezembro de 2008.
Segundo o RSI de 2008, verificou-se um aumento de 10,8% na criminalidade violenta. Os dados indicam também que aumentaram os crimes praticados por três ou mais indivíduos, chegando-se à conclusão de que este tipo de criminalidade teve um incremento na ordem dos 35%.
Ideias das polícias colhe apoio à esquerda e à direita

É raro, mas o PCP e o CDS-PP estão de-acordo em relação a esta medida de prevenção criminal. É do PSD que vêm mais reticências à iniciativa

As polícias serem informadas quando é libertado um detido, em saída precária, condicional ou fim de prisão preventiva, para poderem controlar de alguma forma estes indivíduos e prevenir reincidências, não deverá ter a oposição da oposição. Nem à esquerda nem à direita. Quer o CDS-PP quer o PCP estão de acordo com as possibilidades de “prevenção criminal” que podem dela resultar. O deputado centrista Nuno Magalhães é quem aplaude mais efusivamente a proposta de Mário
Mendes e sublinha que ela também “faz parte do pacote de combate à criminalidade violenta que o CDS tem proposto, que passa muito pelo reforço da articulação entre os vários serviços”.
No fundo, sublinha,”o ideal seria mesmo concentrar todos estes serviços, que hoje dependem de dois ministérios, o da Justiça e o da Administração Interna, num só”.Para este deputado, que já foi secretário de Estado da Administração Interna, esta informação dos Serviços Prisionais “devia até ser alargada às testemunhas dos crimes”. “É uma questão de o Estado manter uma relação franca com os cidadãos. Quer as vítimas quer as testemunhas têm todo o direito de saber quando é libertado o autor do crime cometido contra elas”, assevera.
O comunista António Filipe também não tem objecções.”Embora o partido ainda não tenha reflectido profundamente sobre o assunto, a mim não me choca essa iniciativa. É positiva se prevenir que se cometam outros crimes.”
Do PSD vêm algumas reticências. Jorge Bacelar Gouveia, deputado e presidente do Observatório de Segurança, concorda com o “princípio e objectivos”,mas entende que “esta troca de informação não pode ser tratada como se de um simples assunto administrativo de tratasse”.
Este catedrático de Direito entende que o assunto “deve ser devidamente legislado para que tenha a legitimidade democrática que merece. O Gabinete Coordenador de Segurança é um órgão meramente burocrático-administrativo sem qualquer legitimidade para uma iniciativa desta dimensão”.

Lei diz que só com ordem do tribunal

Legislação em vigor não permite que haja esta troca de informação “automática’ entre os Serviços Prisionais e as Forças de Segurança. Nem sequer para os casos de crimes violentos. Essa transferência depende do entender dos tribunais e tem de ter autorização do juiz. Segundo o porta-voz oficial da Direcção-Geral de Serviços Prisionais, o novo Código de Execução de Penas “prevê, no seu artigo 23., n.°3 que quando considerar que a libertação do recluso pode criar perigo para o ofendido, o tribunal competente informa-o da data de libertação, reportando-o igualmente à entidade policial da área de residência do ofendido”.

Novembro 9, 2009

Autor: Valentina Marcelino
Data: Segunda-feira, 9 de Novembro de 2009
Pág.: 4+5
Temática: Actual 2

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